Barcelona estimula a reflexão crítica sobre o futebol brasileiro – parte 3


No fechamento desta série, profissionais discorrem sobre como poderíamos desenvolver uma nova inteligência de jogo, de responsabilidade e de qualidade nas atividades aos atletas

Equipe Universidade do Futebol

Nesta terceira e última parte da matéria especial da Universidade do Futebol, nossos entrevistados respondem a terceira pergunta formulada a partir da declaração do novo diretor técnico de futebol do São Paulo, René Simões, destacando a filosofia de trabalho do Barcelona e que permite uma reflexão crítica sobre o futebol brasileiro.

Como você avalia que poderíamos desenvolver uma nova inteligência de jogo, de responsabilidade e de qualidade nas atividades aos nossos atletas, em função das altas exigências competitivas deste século XXI?

Wladimir Braga – Para este professor e especialista do futebol é preocupante o que está acontecendo com a modalidade em nosso país. Afirma que não temos uma verdadeira “Escola de Futebol” e que hoje somos incapazes de definir o que seria a “Escola Brasileira de Futebol”. E conclui: “Penso ser este o ponto de partida. Se não mudarmos a concepção do futebol de base e retomarmos o desenvolvimento do esporte, estaremos fadados à mediocridade. Infelizmente este é o cenário”.

Leandro Zago – Sua proposta para este tema é bem ampla, porém apresentada de forma sucinta: “Temos que basear nosso processo de formação em uma permanente evolução da compreensão sobre o jogo e manifestação complexa (física - técnica - tática - mental) da performance. Todo o suporte das outras áreas que são fundamentais é também necessário. Precisamos criar na cultura de formação o aumento do interesse dos atletas em seu auto desenvolvimento permanente através do trabalho diário”.



Sandro Sargentim – Enfatiza que o despreparo e a falta de interesse de muitos profissionais “potencializam esse fenômeno de perda completa da hegemonia do futebol brasileiro dentro e fora das quatro linhas”. Também destaca que através de sua vivência e experiência em muitos clubes e com diversos profissionais de diferentes níveis, pôde chegar a uma conclusão: “aqueles que trabalham com o futebol brasileiro, em sua absoluta maioria, não aceitam nada de novo e atualizado, por medo ou por ignorância, e enquanto isso não mudar, esse abismo ficara cada dia maior”.

Eduardo Barros – Acredita que “para desenvolver esta tríade (inteligência, responsabilidade e qualidade) em função das altas exigências competitivas deste século, o treinamento da grande maioria das equipes necessitaria ser revisto e alterado de acordo com os principais referenciais teóricos que discutem a tendência da preparação do futebolista à luz da complexidade”.

Para o Prof. Eduardo Barros, “é fundamental que todas as pessoas direta ou indiretamente relacionadas à modalidade compreendam que para potencializar a evolução do nível de jogo de uma equipe (em qualquer escalão, da iniciação ao profissional), o treinamento necessariamente deve ser composto de "partes sistêmicas" do futebol e não de fragmentos do jogo de futebol”. E esclarece:

“Fragmentos do futebol são sessões de treino tradicionalmente realizadas, como: treinos físicos (resistência de sprint), treinos técnicos (finalização), treinos táticos (tático-sombra). Já as ‘partes sistêmicas’ do futebol compreendem sessões de treino que tem absoluta relação com o futebol. Exemplificando: treinamento com jogos, de diferentes situações do jogo (ataque, defesa, contra-ataque, bolas paradas, setores de recuperação da posse, setores de finalização, posse de bola etc.), que promovam melhorias individuais e coletivas dos comportamentos de jogo esperados pelo treinador”.

A conclusão do colunista da Universidade do Futebol é: “Como numa perspectiva sistêmica, treinam-se partes (fractais) do jogo de futebol, a inteligência de jogo é mais estimulada com um método de treino de maior qualidade e que pode promover grande responsabilidade na medida em que o ato de educar bem para a vida pode ser feito educando através do futebol e, assim, contribuir com a formação do cidadão, do possível jogador de futebol e, inclusive, do futebol brasileiro. Este, como diria René Simões, precisa de mais!”.



O que é um treino pautado na complexidade? Rodrigo Leitão explica!

Rodrigo Bellão – Este professor acredita muito na transformação do futebol através de investimentos na capacitação profissional de todos os seus agentes. “Os profissionais que atuam na nossa área não podem possuir ideias imutáveis em suas cabeças. Estudar e refletir acerca do jogo, do modelo do jogo, são coisas fundamentais para o futebol moderno. E para isso não basta somente ficar no jogo: é preciso trazer as novas ideias aos treinamentos. E sozinho ninguém faz nada. É necessário buscar o conhecimento, ir atrás de ajuda e opiniões de especialistas e estudiosos”.

Mas Rodrigo Bellão reconhece que existem barreiras entre os clubes e as universidades. “As discussões sobre a modalidade devem ocorrer sempre, por um bem maior da evolução do futebol em nosso país. As discussões nos levam a reflexão e, consequentemente, nos levam à evolução também”. E para justificar esta tese, cita Portugal como exemplo. “Basta verificar a evolução do jogo em um país como Portugal, onde a academia possui um espaço mais próximo aos clubes”.

Ele comenta que este país, inexpressivo em termos futebolísticos em décadas passadas, a partir dos anos 2000, cresceu, despontando entre as principais seleções e revelando diversos atletas de qualidade. Assim, projeta que no Brasil, “para crescermos, precisamos primeiramente derrubar alguns tabus”.



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Bruno Pivetti – O depoimento deste profissional do clube-empresa Audax São Paulo é emblemático dentro do cenário atual do futebol brasileiro. Seu plano, desde que entrou na universidade, em 2003, era contribuir para atenuar o abismo entre o conhecimento e a preparação para se alcançar resultados efetivos. Em um primeiro momento dedicou-se a “entender bem o processo de preparação física e fisiologia a fim de conseguir uma brecha em um mercado tão restrito como o do futebol”. Porém, logo percebeu que sua formação na graduação “pautada essencialmente pelas adaptações neuromusculares ao treinamento de força e especialização em Fisiologia do Exercício” mostrou-se demasiadamente cartesiana e reducionista, uma vez que estava disposto a trabalhar em uma perspectiva muito mais ampliada. “Necessitava ir além, ou seja, precisava entender a fundo os problemas advindos do processo competitivo de futebol para auxiliar da maneira mais eficiente possível meus futuros jogadores”.

Esta meta fez com que Bruno Pivetti mudasse totalmente seus planos. Assim, decidiu fazer uma viagem que, segundo suas próprias palavras “mudaria minha vida para sempre”. Abdicou e adiou alguns sonhos para ir atrás da metodologia que acabou servindo de tema para o seu livro. Foi para Portugal, mais especificamente à cidade do Porto, em busca do conhecimento que imaginava necessitar. Lá, tomou contato com as ideias de Vitor Frade e mais especificamente sobre a Periodização Tática. A nova inserção entre os novos conhecimentos teóricos e a prática que resultou na publicação de seu livro, o fez identificar-se com as considerações do próprio Prof. Vitor Frade ao dizer que “esta publicação é antes de mais nada um ato de coragem, pois corro o risco de ser julgado como um teórico pelos profissionais de cunho mais prático e como um empirista sem valor científico algum para alguns membros da academia”.



Porém, Pivetti não se incomoda com os eventuais riscos desta postura, uma vez que “meu compromisso é com a contribuição para o resgate da vertente arte ao futebol brasileiro moderno. Entretanto uma arte alicerçada em princípios organizacionais bem definidos que permitam eficiência ao processo de construção de um modelo de jogo pautado sempre pela qualidade!”.

O que o professor pretende com esta publicação é atender à “necessidade dos acadêmicos se voltarem aos problemas de campo e aos práticos de se prepararem intelectualmente a fim de contribuir para a evolução não só do futebol, mas do esporte de uma maneira geral no Brasil”.

Qual a diferença entre Treinamento Analítico e Tecnicista?

Bruno Baquete – Considera que, resumidamente, “a grande questão é se adequar à nova realidade do futebol”. Isto significa “criar um ambiente de evolução e aprendizagem constante, pautado na complexidade e focado no jogo e para o jogo, onde a inteligência circunstancial do jogador é colocada à prova a cada momento!”.

E coloca algo que provoca uma reflexão crítica: “provavelmente o Barcelona e a Espanha ainda não atingiram todo o potencial de uma equipe de futebol. Acredito que há outras barreiras. Contudo, para quebrá-las, precisamos desenvolver fractalmente todo o jogo e criar uma cultura de jogo que transcenda o campo.”.

Bruno Baquete conclui seu depoimento com uma mensagem de esperança: “Espero que o depoimento do nosso querido René Simões não fique apenas na esfera teórica e se aplique na prática! Que ele seja a semente que necessitamos para transformar o futebol brasileiro. Que esta semente seja para valer, pois parece que todos nós já esquecemos a aula que o Barcelona deu no Santos”.

Augusto Moura – Defende que devemos desenvolver uma “‘inteligência metodológica’ que forneça suporte sólido para todos integrantes do departamento de futebol de base”. Neste sentido, Augusto Moura acredita que devido ao “fato de trabalharmos com conteúdos técnicos específicos, pré-estabelecidos por categoria, fomentar o processo de capacitação dos profissionais e utilizar a competição como meio formativo e não como fim nos dariam enormes ganhos em performance.”

Com uma nova postura, ele crê que conseguiremos ao longo dos anos resgatar o nosso prestígio.

Como trabalhar com Jogos quando seus jogadores não possuem um alto nível técnico?

 Obrigado.

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