Do Papel para o Campo
O treino da estratégia: do papel para o campo
O grande
desafio dos treinadores, após terem acesso às informações, é passar o que sabem
para a prática.
Jose
Barbosa e Luis Freire
A
observação de adversários assume cada vez mais um papel relevante no futebol
contemporâneo, sendo que as equipes técnicas contam já com elementos ou mesmo
departamentos que fazem a análise e a observação dos adversários.
Hoje
em dia, os treinadores além de deverem construir uma identidade forte para a
sua própria equipe, através do treino dos princípios de jogo constituintes do
seu modelo de jogo, procuram cada vez mais perceber quais as debilidades e
virtudes dos seus adversários.
As
informações sobre o adversário deverão revelar uma reflexão conjunta (do
departamento de observação; do observador principal e do treinador adjunto ou
principal), de forma que estas sejam devidamente partilhadas e entendidas por
toda a estrutura técnica, sendo obtidas através da visualização de diversos
jogos do adversário.
A
elaboração de relatórios e entrega de vídeos pelos observadores é essencial, de
forma que a informação seja devidamente comprovada e possa ser exemplificada
aos jogadores se assim o treinador principal o entender.
Toda
a informação recolhida deverá ter em atenção à forma de jogar da nossa equipe,
sendo peremptório o conhecimento do modelo de jogo da equipe por parte de toda
a estrutura técnica, percebendo assim como o time poderá tirar proveito dos
pontos fracos do adversário e como poderá contrariar os seus pontos fortes.
Após
todas estas premissas serem respeitadas, é importante a elaboração um plano
para o jogo, ou seja, um plano estratégico, de forma que as informações
recolhidas possam traçar um caminho ajudando a equipe a atingir o sucesso.
O
grande desafio dos treinadores após terem acesso a estas informações será então
passar o que sabem do papel para o campo de futebol. Será muito importante que
os treinadores não caiam no erro de transmitirem as informações em longas
palestras, em demoradas apresentações vídeo, ou transformarem o seu treino em
uma aula sobre o adversário, descaracterizando a sua forma de jogar,
comprometendo a sua identidade e criando medo e preocupação nos seus jogadores
em vez de um sentimento de preparação absoluta e confiança para o confronto
seguinte.
O
treino deverá então ser composto por exercícios que forneçam aos jogadores, as
pistas necessárias para que os mesmos percebam como podem aproveitar as
debilidades adversárias e prevenirem-se para os pontos mais fortes dos seus
opositores.
É
importante que os exercícios contenham constrangimentos que guiem as ações dos
jogadores para o objetivo pretendido pelo treinador. O exercício de treino
deverá ser a principal ferramenta para que o plano estratégico resulte na
prática e saia do papel com sucesso, consciencializando a equipe do que o
treinador pretende para o jogo seguinte.
A
conceitualização dos exercícios deverá ser direcionada para o treino do nosso
modelo de jogo, mas a colocação de regra nos exercícios poderá ajudar os
treinadores a criarem algumas nuances estratégicas que permitirão
consciencializar a equipe do pretendido.
Os
jogadores não deverão ser alertados do pretendido antes de experimentarem os
exercícios (refiro-me aos objetivos estratégicos), possibilitando aos mesmos a
descoberta de soluções e a percepção das dificuldades que o exercício lhes
apresenta. Estas soluções e dificuldades que os exercícios apresentam deverão
guiar os jogadores a perceberem o que fazer no próximo jogo.
Durante
os exercícios o treinador deverá aí sim, ter um papel intervencionista,
explicando o porquê do exercício ter determinadas regras e determinados
constrangimentos (exemplo: colocação das balizas, divisão do espaço do
exercício por setores ou corredores; limitação de tempo para recuperar posse de
bola numa determinada zona; colocação de zonas limitadas em espaços a explorar
antes de obter gol; limite do número de passes para variar o jogo de um
corredor lateral para outro, obrigatoriedade de ir aos dois corredores laterais
sendo que antes de marcar deverá existir uma variação através de diagonal uma
longa etc.).
Estas
são apenas algumas das regras que poderão ser utilizadas para guiar os
jogadores a fazerem o pretendido pelo treinador, possibilitando a exploração de
pontos fracos ou fortes do adversário seguinte. Para que, mais facilmente,
possam entender a nossa forma de conceitualizar o treino da estratégia
apresentamos um exemplo prático (exercício de treino).
Algumas
características gerais do modelo de jogo da equipe A nos diferentes momentos de
jogo:
1
- Privilegia o ataque pelos corredores laterais.
2
- Prefere a circulação de bola com recurso a muitos passes e mobilidade
ofensiva.
3
- Procura fazer campo grande quando ataca.
4
- Defende zonalmente.
5
- Defende utilizando a concentração coletiva (campo pequeno).
6
- Pressiona após a perda da bola independentemente do local onde a perde,
encurtando o espaço entre linhas.
7
- Transita para o ataque, preferencialmente, utilizando a exploração dos
corredores laterais de forma rápida tentando provocar desequilíbrios nestas
zonas do campo.
Equipa B – O adversário (Exemplo de alguns pontos fortes e fracos)
1
- Dificuldade nos cruzamentos ao 2º poste devido ao mau posicionamento dos seus
laterais dentro da área, sendo que fecham mal o espaço entre central e lateral,
deixando possivelmente que os extremo da equipe A e o ponta de lança possam
antecipar-se aos laterais adversários.
2
- Equipe forte nas segundas bolas no meio-campo ofensivo adversário, sendo que
após cruzamentos são fortes a reagir às segundas bolas encurtando o espaço
entre meio de campo e ataque. Importante reagir rápido às segundas bolas que
advêm de cruzamentos para dentro da nossa área.
3
- Existência de espaço nas costas dos médios centros da equipe B, derivado à
elevada distância entre linhas (linha do setor defensivo e linha do setor
intermédio). A equipe A deverá explorar este espaço entre linhas.
Exercício
de treino da equipe A (permitindo o treino do nosso modelo de jogo e o treino
de nuances estratégicas aproveitando as debilidades adversárias e prevenindo
para os pontos fortes).
Não
será apresentado o espaço do exercício nem a duração, pois não se pretende com
este exemplo refletir sobre o regime de esforço do mesmo, dependendo este do
dia da semana que o treinador pretender operacionalizar este exercício.
-
Ambas as equipes antes de marcarem gol têm de ir aos dois corredores laterais
(respeita os princípios 1, 2, 3 do modelo de jogo).
-
Gol obtido através de cruzamentos na 2º trave vale 3 gols para a equipe amarela
(alerta para o ponto fraco 1 da equipe adversária e obriga a nossa equipe a
treinar a concentração coletiva – princípio de jogo 5 e a lutar pela segunda
bola após cruzamento – ponto forte 2).
-
Os brancos marcam nas balizas colocadas no corredor central. Para que possa
haver gol, a bola deverá passar por dentro da baliza e deverá existir a
desmarcação de um jogador para receber a bola na zona X (alerta para a exploração
do espaço nas costas dos médios centro adversários ou médio centro adversário -
ponto fraco 3).
Cabe
ao treinador e a sua equipe técnica criarem exercícios ricos em conteúdos,
respeitando ao máximo a forma de jogar da equipe e dando aos seus jogadores soluções
através da implementação de regras que os guiem para a percepção do plano
estratégico para o jogo seguinte.
A
transmissão da informação deverá incutir segurança aos jogadores, o recurso ao
vídeo deverá ser efetuado, deverá existir um conjunto de imagens selecionadas
com curto tempo de duração e o mais semelhantes possíveis entre si que permitam
aos jogadores a percepção dos erros e virtudes adversárias.
Mas,
na nossa opinião, não há melhor forma do que treinar a estratégia para o
próximo jogo do que no campo de futebol, o habitat natural do jogador e dos
treinadores.
A
imaginação dos treinadores deverá ser desafiada e posta à prova, pois, cada vez
mais, a vertente estratégica do jogo se faz notar na alta competição e nas
divisões profissionais de todo o futebol mundial.
Cabe aos
mesmos transportarem do papel para o terreno de jogo toda a informação que
possam dispor sobre o adversário respeitando a forma de jogar da equipe que
treinam.
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