Complexidade do futebol


A compreensão do futebol como um jogo esportivo coletivo e os princípios operacionais de Claude Bayer I

Complexidade do futebol é elemento fundamental para análises sobre o tema

Renato Francisco Rodrigues Marques

Um jogo de futebol é composto de 11 jogadores para cada lado, que disputam a posse de bola com a finalidade de colocá-la dentro da baliza adversária. No entanto, a presença desses jogadores não garante que acontecerá uma partida de futebol, é necessária a interação dos atores com seus colegas e com a equipe adversária para que isso ocorra. Ou seja, o futebol é um encontro complexo entre oponentes e parceiros, e sua inter-relação forma o contexto do mesmo.
Nesse sentido, Scaglia (2003) aponta que as partes isoladas de um jogo permitem determinar comportamentos e não o jogo em si como um todo complexo e contextualizado. Não é apenas a fragmentação das ações e situações que possibilitam a compreensão do ato de jogar, mas sim, o estabelecimento de formas de relação entre razões (por que fazer) e ações (o que e como fazer).
Esse quadro faz do jogo de futebol, assim como qualquer outro esporte coletivo, um campo no qual se interagem ações individuais, o que gera uma ação grupal. Essa compreensão se faz importante porque não é a realização motora (técnica) que dá razão de ser ao jogo, mas sim, seus objetivos, regras e contextos, que norteiam as intenções e razões das ações (tática).
Por essa razão é que, num processo de ensino ou treinamento dessa modalidade, algumas questões devem ser consideradas por técnicos e professores. Em primeiro lugar, é preciso conhecer o que são os jogos coletivos, suas particularidades, objetivos e limites de ação. Segundo, como deve atuar o sujeito em jogos esportivos dessa natureza. E em terceiro, como ensinar ou como treinar jogadores da melhor maneira possível dentro dessas informações.
O segundo e terceiro tópicos dizem respeito, de forma mais específica, a questões pedagógicas e de conhecimento próprio da modalidade em questão, porém, só têm razão de ser baseadas no contexto elaborado pelo primeiro.
Nesse sentido é que se torna útil a busca pelo que deve ser ensinado, ou seja, uma maior exploração sobre a compreensão de o que são os esportes coletivos e o que dá sentido às ações no campo de jogo.
Existem inúmeros referenciais teóricos que exploram uma melhor compreensão dos esportes coletivos. Para esse trabalho será utilizada a obra de Claude Bayer, autor francês que desenvolveu uma teoria de compreensão e ensino desses jogos.
A premissa desse autor é que os jogos esportivos coletivos têm em comum uma série de princípios operacionais que podem ser compreendidos e exemplificados em diversas modalidades. A forma que Bayer (1994, p.32-33) aponta essa indicação é através da identificação de invariantes, ou seja, características em comum entre todas as modalidades esportivas coletivas:
- BOLA: esférica ou oval, as regras da modalidade determinarão como esta deverá ser manipulada;
- TERRENO DEMARCADO: dentro do qual se desenvolverá a partida;
- ALVO A ATACAR E ALVO A DEFENDER: objetivo da modalidade, marcar o ponto e procurar impedir o adversário de marcar;
- PARCEIROS: ajudam na progressão da bola e na defesa do alvo;
- ADVERSÁRIOS: estes devem ser vencidos para a marcação do ponto;
- REGRAS DO JOGO: devem ser respeitadas.
As modalidades coletivas são jogos de oposição, isto é, duas equipes que têm o mesmo objetivo e se opõem durante uma partida de modo a medirem forças na tentativa de superar o esforço adversário.
Como base para essa compreensão, Bayer (1994, p.47) define os Princípios operacionais do ataque e da defesa em modalidades coletivas, e o conceito de regras de ação como os jogadores aplicarão tais princípios durante o jogo. É importante considerar que, para esse autor, a equipe está em situação de ataque quando detém a posse de bola, e na situação contrária, encontra-se na defesa.
Tais princípios seriam as funções do ataque e da defesa durante a realização de uma partida. São formas de ação que norteiam o ato de jogar coletivamente, dão sentido ao jogo e formam a lógica central de sistemas, estratégias, padrões e intenções durante uma partida. Existem com base nas regras e exigências de realização impostas pelos jogos esportivos coletivos. 

PRINCIPÍOS OPERAICONAIS DOS ESPORTES COLETIVOS
ATAQUE
DEFESA
Manutenção da posse de bola
Recuperação da posse de bola
Progressão ao campo do adversário
Contenção do avanço adversário
Finalização à meta
Defesa da meta

(Adaptado de Bayer, 1994)
Como uma exploração mais detalhada tem-se (MICHELINI, 2007, p.48):

Conservação da bola / Recuperação da bola - Enquanto o ataque coordena suas funções de modo a conservar a posse de bola, esperar o momento certo, procurar desequilibrar a defesa e selecionar o melhor ataque. Por sua vez, a defesa terá por oposição a essas atitudes ofensivas, recuperar a posse de bola de modo que depois de recuperada a bola se inverta os papéis e, assim, o time que antes defendia teria a oportunidade de atacar após recuperar a posse de bola.

Progressão dos jogadores / Impedir a progressão - Por se tratar de um jogo de invasão, sendo que no campo adversário está o alvo a ser atacado para a realização do ponto, é de extrema importância que o ataque consiga se aproximar do alvo. Quanto mais próximo do alvo chegar mais chance de êxito o ataque terá. De maneira antagônica, é interessante para a defesa proteger seu campo e sua meta de forma a coordenar suas funções visando afastar o máximo possível o ataque adversário de sua meta, dificultando assim a finalização do ataque.

Atacar a baliza / Proteger a baliza - Seria o objetivo dos jogos coletivos, vence a equipe que marcar mais pontos. Dessa forma, em busca da vitória, cada equipe deve considerar dois pontos: a) ataque à baliza para a realização do ponto; b) proteção da baliza para a não realização do ponto do adversário.

Os princípios operacionais descritos por Bayer (1994) se relacionam entre si, isto é, para o sucesso da ação coletiva de ataque ou defesa todos eles são igualmente importantes, não havendo hierarquia de importância entre os princípios operacionais.

Pode-se perceber que os princípios operacionais são antagônicos, isto é, cada um dos princípios de ataque tem um correspondente defensivo que tem por objetivo anulá-lo. A tendência durante o transcorrer de uma partida é que esses princípios se anulem e estabeleçam equilíbrio devido ao fato de serem antagônicos no ataque e na defesa. Mora nesse ponto o fator de grande importância no futebol. A equipe que conseguir desequilibrar essa relação a seu favor, tem maiores possibilidades de vitória.

É nas entrelinhas desse embate entre ataque-defesa que se encontra o fator de interesse e de atuação de técnicos e professores. O que fazer para cumprir com eficácia os princípios operacionais de modo e "desequilibrar" a balança do jogo a seu favor.

Para resolver tal questão, é necessário compreender especificidades das modalidades esportivas e explorar suas Regras de ação, que segundo Bayer (1994), são as maneiras de intervenção do jogador durante a partida, norteadas pelo sentido tático do jogo.

Portanto, para uma compreensão do que são esportes coletivos e do que é que norteia as ações do jogador, e conseqüentemente, os princípios do treinamento/ensino técnico/tático, uma forma interessante não é se apoiar em questões fragmentadas em atos motores e realizações meramente eficientes tecnicamente, mas sim, buscar situá-las num contexto de jogo, suas razões e formas de aplicações, atreladas à resolução de problemas e busca por soluções que sejam coerentes com a dinâmica e com os princípios conformadores do jogo. No caso dos esportes coletivos, uma forma é tomar como base os limites das invariantes e o sentido dos Princípios Operacionais.

O desenvolvimento de métodos e processos pedagógicos só se justifica se vinculado a um princípio de compreensão do quê será ensinado. É nessa direção que a contribuição de Bayer (1994) não se faz definitiva, mas interessante e enriquecedora como alicerce para pedagogos do esporte determinarem sua forma de trabalho e, mais importante, o conteúdo a ser administrado em processos de aprendizagem/treinamento do futebol.

Bibliografia
BAYER, Claude. O ensino dos desportos colectivos. Lisboa: Dinalivros, 1994.
MICHELINI, Marcelo Compagno. Teoria de esportes coletivos de Claude Bayer: o Futsal. (2007) Monografia. Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007.
SCAGLIA, Alcides. O futebol e os jogos/brincadeiras de bola com os pés: todos semelhantes, todos diferentes (2003). Tese de Doutorado. Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003.

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