Aposentadoria dos Campos


O difícil processo de transição na vida de um atleta profissional.

Idade, novos interesses, fadiga psicológica, dificuldades com a equipe técnica, resultados esportivos em declínio e problemas de lesão são razões importantes para a decisão.



Marcelo Iglesias


Um dos pontos cruciais na carreira de um atleta profissional é estabelecer o momento certo para se aposentar. Por ser uma atividade que exige muita dedicação e preparo, são poucos os casos de atletas que conseguem atuar em bom nível até mais do que 30 anos de idade. Por isso, é importante que passem por um processo correto de ajuste nas esferas de vida ocupacional, financeira, social e psicológica, pois esse processo pode ser acompanhado por problemas emocionais.
Atualmente, não são incomuns os exemplos de ex-jogadores que, sabendo da sua condição inapropriada para seguirem dentro de campo, decidem permanecer ligados ao futebol de outra maneira, seja como técnicos, dirigentes, preparadores de goleiros, etc. Outro ramo procurado por alguns é o da política, visto o carisma que certas figuras da modalidade possuem.
Para tornar-se um atleta de elite, no mundo moderno, é necessário ter disciplina para treinar por muitos anos, dedicação quase que exclusiva para o esporte e, em geral, iniciar a carreira em idade muito precoce. Em “O lado mental do futebol”, capítulo do livro "Ciência do Futebol", de autoria da nutricionista Isabel Guerra, doutoranda da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com Turíbio Leite de Barros Neto, fisiologista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), os autores afirmam que é grande a expectativa dos jogadores de alto nível de se tornarem atletas de sucesso nacional e internacional, já que essa conquista mobiliza a atenção de investimentos financeiros e tem grande espaço na mídia. Nesse contexto, os atletas profissionais ganham como conseqüência, vantagens econômicas, notoriedade e, de fato, prestígio. Para os atletas de alto rendimento, o esporte é a energia que move a vida, é o marco de sua identidade.
Entretanto, após anos de dedicação, por razões diversas, defrontam-se com o processo final de carreira do esporte. É quando a maioria dos jogadores se conscientiza de não ter sido preparado para enfrentar a vida pós-esporte, pois negligenciou esse processo. Dessa forma, a aposentadoria pode gerar uma situação de estresse e de crise de identidade para muitos atletas.
Para a Federação Européia de Psicologia do Esporte e Atividades Corporais (FEPSAC), identidade esportiva deve ser conceituada como a força e a exclusividade em que o esportista identifica a si mesmo com o esporte; essa identificação exclusiva é fortalecida pelo reconhecimento social e sucesso econômico que acompanham os resultados positivos da carreira esportiva. Sendo assim, terminar a carreira esportiva pode se tornar um dos momentos mais difíceis da vida de um atleta, já que a mudança no estilo de vida requer uma adaptação de papéis sociais e profissionais.
A maioria dos atletas não percebe a importância de outras fontes de identificação em outros âmbitos da vida (outra profissão ou atividade), indispensáveis para a manutenção do equilíbrio durante e ao término da carreira. Essa percepção errada da realidade, em muitos casos, é ratificada por técnicos, dirigentes e membros da família. Em “O atleta e o mito do herói: o imaginário esportivo contemporâneo”, Kátia Rubio afirma: “na relação entre o ego e o desempenho de papéis sociais, muitas vezes o atleta se vê identificado com a figura espetacular sugerida pela condição de esportista, aquele capaz de realizar grandes feitos, dificultando sua participação em situações da vida cotidiana e em outras atividades sociais”.
A transição de carreira esportiva significa mudança de uma fase da carreira para outra, acompanhada por concomitantes mudanças nas características psicológicas e sociais do atleta, e da necessidade de recursos para lidar com o momento. De acordo com o que é apresentado em “Career transition and concomitant changes in athletes” (“Transição de carreira e concomitantes mudanças em atletas”, em tradução livre), a carreira esportiva é composta de uma seqüência de sucessivas fases, com períodos de transição, identificadas como: a transição do esporte infantil para o juvenil, seguida da transição para o júnior e, finalmente, para o adulto; a transição do esporte amador para o profissional e a transição para o término da carreira esportiva. Cada uma requer exigências específicas e ajustes nas esferas da vida ocupacional, financeira, social e psicológica do atleta e, fundamentalmente, sempre será necessário o esforço pessoal para a adaptação à nova fase.
Dessa forma, a natureza desse ajustamento à aposentadoria, para cada atleta, dependerá da interação de múltiplos fatores. Entretanto, um fator isolado não garante se um ajustamento será fácil e tranqüilo. Somente uma análise da complexa interação entre diversos fatores é que levará à compreensão de como determinado atleta conviverá com o fato de se aposentar.
Um dos pontos que deve ser levado em consideração é que, por vezes, o jogador encerrará a sua carreira de maneira voluntária, mas, em outras ocasiões, isso poderá ocorrer forçadamente. Com isso posto, pode-se citar como algumas das causas das aposentarias de atletas profissionais: a idade, novos interesses emergentes, fadiga psicológica, dificuldades com a equipe técnica, resultados esportivos em declínio, problemas de contusão ou de saúde, e a ausência do seu nome entre os relacionados para os jogos.
Partindo do fato de que a transição de carreira esportiva é um processo, Jim Taylor e Bruce Ogilvie desenvolveram o “Modelo Conceitual da Transição de Carreira”, que integra, além da informação teórica da Psicologia do Esporte, a investigação empírica. De acordo com os estudiosos, as características da transição incluem: duração, mudanças de posição social, grau de estresse, desafios enfrentados e, fundamentalmente, a percepção de estresse nesse momento.
Determinadas áreas específicas, consideradas moduladoras do ajustamento ao momento da aposentadoria e facilitadoras de adaptação adequada, também podem ser avaliadas: percepção de controle; identidade esportiva; suporte social; experiências anteriores (outras transições); envolvimento com atividades relacionadas com esporte depois da aposentadoria; grau de planejamento profissional; status socioeconômico; habilidades (persistência, competitividade, metas, etc.); objetivos relacionados com esportes; e foco depois da aposentadoria.
Portanto, toda transição de carreira tem o potencial de ser uma crise, alívio, ou uma combinação de ambos, dependendo da avaliação dos atletas frente à situação.
Um estudo publicado pela Revista Brasileira de Medicina do Esporte, em dezembro de 2008, com 79 ex-atletas de futebol e basquete, por meio de entrevistas semi-estruturadas, apontou que 75,9% dos indivíduos avaliados decidiram encerrar a carreira esportiva de forma voluntária. A transição de carreira ocorreu de maneira gradativa e natural, como eles mesmos citaram nas entrevistas. Para a maioria dos ex-atletas (68,4%), esse momento foi oportuno, ou seja, aconteceu na época certa, enquanto que, para 27,9% dos entrevistados, a decisão de parar de competir profissionalmente ocorreu muito cedo e de forma prematura.
Ainda segundo esse estudo, as causas mais freqüentes relacionadas à saída do esporte em ordem decrescente foram: idade (49,4%), surgimento de outros interesses (43,0%), mudanças no estilo de vida (17,7%), problemas de saúde (16,5%), problemas de lesões (15,2%), ausência de perspectivas futuras (13,9%), problemas de relacionamento com dirigentes (13,9%), "declínio dos resultados" (12,7%), cansaço psicológico (11,4%), relacionamento com o técnico (10,1%), cansaço físico (7,6%), relacionamento com a família (7,6%) e relacionamento com a equipe (3,8%).
Em relação às conseqüências emocionais por conta do processo de finalização da carreira esportiva, algumas emoções preponderaram. Em ordem decrescente: 50,6% dos ex-jogadores sentiram tristeza no momento da transição esportiva para uma nova carreira e 36,7 % se sentiram conformados. Além disso, a pesquisa apontou que 17,7% da amostra sentiram felicidade nesse momento, 6,3% se sentiram tensos, 5,1% sentiram medo, 5,1% ficaram deprimidos, 3,8% sentiram raiva, 3,8% ficaram ressentidos, 1,3% sentiram culpa e nenhum dos entrevistados fez referência a sentimentos de desespero.
Por fim, no que tange os aspectos físicos, a pesquisa indicou que, ao encerrar a carreira esportiva, 43% dos entrevistados tiveram a percepção de que a aptidão física piorou. Segundo dados coletados, o peso dos sujeitos aumentou e eles tornaram-se quase que totalmente inativos. A condição física não melhorou para nenhum dos avaliados.
Portanto, deixar a arena esportiva tende a ser um momento difícil da vida de um atleta, pois sempre requer adaptação de papéis sociais e profissionais. Fica claro que essa adaptação torna-se ainda mais difícil quando o atleta tem forte identificação com a figura de esportista. Em geral, apresenta dificuldades psicológicas e vivencia momentos de tristeza, depois de anos de exclusiva dedicação à carreira competitiva. Além disso, nota-se que a idade é um fator limitador da performance e desencadeador da aposentadoria, o que acaba levando a um sentimento de conformismo e, ao mesmo tempo, motivando para outros interesses e objetivos emergentes, tais como o desejo de poder passar mais tempo com a família.
Outro ponto relevante é a piora na saúde física dos ex-atletas e o quanto a diminuição planificada e gradativa da carga física a que foram submetidos durante o período ativo é necessária, ao se pensar na qualidade de vida pós-esporte.
Portanto, seria interessante que, tanto do campo científico, como por meio de uma iniciativa da direção dos clubes de futebol, fossem desenvolvidos programas de aposentadoria que tenham como objetivo principal capacitar atletas em transição de carreira a lidarem melhor com esse momento e, principalmente, utilizar esses programas no início da carreira para minimizar a ansiedade com relação ao futuro.

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