Evolução do Futebol Brasileiro: elementos para uma reflexão política
Sem
investimentos em capacitação e política mais clara, que defina metas dentro de
visão sistêmica e integrada dos fenômenos do esporte, seremos apenas
coadjuvantes desse grande espetáculo globalizado.
João Paulo Medina*
Via de regra,
um jogo de futebol é apenas um jogo de futebol, com mais ou menos importância.
Mas o dia 18 de dezembro de 2011 poderia ser considerado um marco, um divisor
de águas para o futebol brasileiro. A derrota da equipe do Santos – considerada
por muitos, a melhor do Brasil – para o Barcelona por 4 a 0, pela final do Mundial de
Clubes, foi uma aula de futebol, como afirmou de forma madura o talentoso e
promissor jogador santista Neymar. Contudo, mais do que uma aula, bem que este
jogo poderia ser também um ponto de partida para uma verdadeira mudança de
paradigma da ainda tradicional e arcaica estrutura do futebol brasileiro.
Costuma-se
dizer que o futebol imita a vida, como também se afirma que o vigor da economia
de um país define sua saúde em todos os outros aspectos. Há tempos que
comemoramos vários e importantes progressos em nossa economia, com reflexos
sociais mais diretos na ascensão de milhões de brasileiros que estão saindo da
miséria ou da linha da pobreza para níveis de vida mais dignos.
Tais
conquistas, entretanto, não podem esconder o enorme atraso que ainda temos em
muitos indicadores sociais, culturais, educacionais, bem como esportivos. Ou
seja, não podemos nos enganar, pois ainda somos um país pobre em muitos
aspectos. E para comprovar isso, basta atentarmos para o nosso nível de
educação, em que somente 10% da população economicamente ativa possui um
diploma universitário. Isso é muito mais baixo do que se pode encontrar, por
exemplo, em países como Rússia, Índia e China, que, como o Brasil, são
considerados emergentes.
Sem contar os
números de nosso analfabetismo funcional, cujos dados são muito imprecisos, mas
que devem chegar próximo à casa dos 50% de nossa população total. O que é
trágico e vergonhoso, para dizer o mínimo.
Mas vamos,
nesta breve reflexão crítica, apenas tentar entender o cenário em que se
assenta o nosso atraso futebolístico atual. E não gostaria que o leitor
entendesse minhas considerações como de alguém com visão pessimista que não
valoriza o que é nosso e não quer enxergar nosso progresso. Não significa
também que tenhamos que reassumir, diante de nações mais desenvolvidas, nosso
histórico complexo de “vira-lata”. Não se trata disso, mas sim de entender que,
apesar de nossas virtudes e enorme potencial, se não fizermos um correto
diagnóstico de nossas mazelas, jamais nos instrumentalizaremos no sentido de
superá-las de forma consistente e sustentável.
Nossas lentas,
porém evidentes conquistas democráticas, têm nos permitido denunciar, contestar
e debater criticamente nossos problemas sociais, talvez como nunca tenhamos
conseguido em nossa história enquanto país institucionalizado. Portanto,
estamos em um momento adequado para questionarmos alguns dos nossos
pressupostos que nos fizeram ser o que somos. E isso vale para o país, como
também para o nosso futebol pentacampeão mundial.
Não acredito
mais que possamos recuperar todo o nosso atraso nos próximos dois, três ou
quatro anos, até que cheguem a Copa do Mundo (2014) e os Jogos Olímpicos (2016)
a serem realizados no Brasil. Mas é preciso começar de verdade. E o começo
começa com consciência. Em se tratando de futebol, enquanto continuarmos em
dúvida se ainda somos ou não os melhores do mundo, estaremos perdendo tempo.
E uma das primeiras
evidências que temos que enxergar é que nada muda do dia para a noite.
Principalmente se estivermos falando de evolução social, cultural e esportiva.
Não podemos resumir o desenvolvimento de um país apenas com construção de
aeroportos, rodovias, ferrovias e belos estádios de futebol. Isso representa
apenas uma parte, pequena – diga-se de passagem – de nosso crescimento. O
principal é entender que temos condições objetivas de mudanças e isso nos
permitirá tomar consciência de que para termos uma nação forte é preciso muito
mais do que simplesmente algumas melhorias em nossa infraestrutura.
Mas para
ficarmos apenas no terreno esportivo, cabem aqui algumas questões que teremos
que resolver nos próximos anos, se é que ainda temos pretensões de estar entre
os grandes do futebol mundial.
Um dos
principais aspectos que tem atrapalhado muito nosso progresso nesta área é a
visão empírica e superficial que ainda prevalece no futebol. Se ela foi
suficiente para nossas conquistas anteriores e para sermos o que somos hoje,
fica cada vez mais evidente que sem investimentos na capacitação profissional e
em uma política mais clara, que defina metas de médio e longo prazos para o
futebol brasileiro dentro de uma visão mais sistêmica e integrada dos fenômenos
que compõem este esporte, seremos dentro de algum tempo apenas coadjuvantes dos
grandes espetáculos globalizados em que se está transformando o altamente
competitivo futebol profissional. Ou não foi este o papel desempenhado pelo
Brasil, representado pelo Santos, na partida com o Barcelona?
Para evitarmos que isso se
torne rotina é preciso que comecemos a responder algumas perguntas, urgentemente:
• Quando os nossos dirigentes vão se profissionalizar ou pelo menos se atualizar para darem conta das demandas do futebol globalizado deste século XXI, deixando de olhar apenas para o seu entorno mais próximo e cuidando apenas de seus interesses particulares?
• Quando os órgãos de comunicação vão entender o seu papel estratégico nestas mudanças e os jornalistas esportivos se prepararem melhor antes de formular seus elogios e críticas, muitas vezes estéreis e descontextualizados?
• E os treinadores? Será que vão perceber que, dentro deste novo cenário, não basta mais ter sido jogador de futebol ou mesmo ter frequentado uma Escola de Educação Física para ser um profissional bem sucedido? Quando vão entender que esta função, hoje em dia, além de certas características de personalidade, exige profundos conhecimentos sobre liderança de grupos, tática e estratégia de jogo, metodologia científica de treinamento, cultura geral, “media training”, entre outros requisitos?
• Quando os clubes, através de seus dirigentes, serão capazes de estabelecer uma política clara para seus departamentos de futebol, não só no terreno da gestão, como também no terreno técnico (sim, o dirigente tem que entender o suficiente deste aspecto para poder contratar e acompanhar seus treinadores e funcionários dentro do perfil desejado pela política estabelecida).
• E a formação de nossos jovens atletas? Será que vamos finalmente compreender que é preciso superar urgentemente a visão tecnicista que ainda predomina nas categorias de base e nas escolas de futebol espalhadas pelo Brasil, para adotarmos uma abordagem interdisciplinar formando o atleta integralmente e preparando-os para a vida profissional, pessoal e social?
• E quando as instituições que dirigem o nosso futebol (CBF, Federações, Sindicatos, Associações) serão pressionadas o suficiente para entenderem que seus interesses particulares não podem conflitar com os interesses do desenvolvimento do futebol brasileiro? E o governo, através do Ministério do Esporte, será que não poderia ajudar na formulação de uma política esportiva mais atuante para o país?
Enfim, estes são alguns dos questionamentos que precisam entrar na pauta de todos aqueles que desejam e torcem por um futebol melhor, mesmo que estas providências cheguem tarde demais para podermos disputar de igual para igual a próxima Copa do Mundo.
*João Paulo Medina é Diretor Executivo da Universidade do Futebol
• Quando os nossos dirigentes vão se profissionalizar ou pelo menos se atualizar para darem conta das demandas do futebol globalizado deste século XXI, deixando de olhar apenas para o seu entorno mais próximo e cuidando apenas de seus interesses particulares?
• Quando os órgãos de comunicação vão entender o seu papel estratégico nestas mudanças e os jornalistas esportivos se prepararem melhor antes de formular seus elogios e críticas, muitas vezes estéreis e descontextualizados?
• E os treinadores? Será que vão perceber que, dentro deste novo cenário, não basta mais ter sido jogador de futebol ou mesmo ter frequentado uma Escola de Educação Física para ser um profissional bem sucedido? Quando vão entender que esta função, hoje em dia, além de certas características de personalidade, exige profundos conhecimentos sobre liderança de grupos, tática e estratégia de jogo, metodologia científica de treinamento, cultura geral, “media training”, entre outros requisitos?
• Quando os clubes, através de seus dirigentes, serão capazes de estabelecer uma política clara para seus departamentos de futebol, não só no terreno da gestão, como também no terreno técnico (sim, o dirigente tem que entender o suficiente deste aspecto para poder contratar e acompanhar seus treinadores e funcionários dentro do perfil desejado pela política estabelecida).
• E a formação de nossos jovens atletas? Será que vamos finalmente compreender que é preciso superar urgentemente a visão tecnicista que ainda predomina nas categorias de base e nas escolas de futebol espalhadas pelo Brasil, para adotarmos uma abordagem interdisciplinar formando o atleta integralmente e preparando-os para a vida profissional, pessoal e social?
• E quando as instituições que dirigem o nosso futebol (CBF, Federações, Sindicatos, Associações) serão pressionadas o suficiente para entenderem que seus interesses particulares não podem conflitar com os interesses do desenvolvimento do futebol brasileiro? E o governo, através do Ministério do Esporte, será que não poderia ajudar na formulação de uma política esportiva mais atuante para o país?
Enfim, estes são alguns dos questionamentos que precisam entrar na pauta de todos aqueles que desejam e torcem por um futebol melhor, mesmo que estas providências cheguem tarde demais para podermos disputar de igual para igual a próxima Copa do Mundo.
*João Paulo Medina é Diretor Executivo da Universidade do Futebol
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